Prólogo
Se
é realmente verdade que os olhos falam, qualquer um seria capaz de ler o que
meus lábios tentavam esconder enquanto tremiam, buscando ocultar o choro que se
mostrava iminente. Eu o amava e já havia demonstrado isso tantas que vezes que até
um idiota poderia se dar conta disso, - qualquer idiota, menos ele próprio. Mas
a indagação que ecoava em alto e bom som em minha mente, era se esperaria até
que finalmente batesse aquela porta para se dar conta de que estava perdendo a
pessoa que faria absolutamente tudo para estar ali ao seu lado?
Eu reagiria àquelas ofensas ou
simplesmente ficaria ali, parada olhando para ele como se não conseguisse
entender o que me dizia parecendo uma débil mental? Mas conhecia a resposta, sabia que já havia gasto
todos os argumentos possíveis – argumentos?
Sejamos sinceros, você já está beirando o ridículo (para não dizer que já
ultrapassou esse limite há muito), humilhando-se dessa maneira. E o que ganhou
com isso? Que ele risse de você como se fosse um palhaço hilário! -, feito mais
que deveria para que entendesse que, apesar de tudo, estava ali porque queria,
mas, ainda assim, nada disso tinha sido levado em consideração em momento
algum. Não era a mim que ele desejava, não seria a mim que dedicaria mais que
cinco minutos de atenção. Não mais, e
você devia estar consciente que seria assim quando ele não achasse mais
necessário ter você por perto. Espere? Algum dia ele achou isso necessário? Ou
você era apenas o estepe para os momentos em que mais ninguém se demonstrava disponível?
Por que ainda estava ali? Por que
ainda não tinha saído por aquela porta sem olhar para trás? Ficaria para
receber uma sabatina que não merecia? Até quando estaria implorando pela atenção
de alguém que sequer lembrava que existia? A quem queria enganar?
Estava
ali na vã esperança de que ele percebesse o que estava fazendo e corrigisse o
erro antes que aquilo tudo me machucasse a ponto de não poder ser mais
reversível. Mas já não estava ferida o
suficiente? Por que mentir e dizer que iria me recuperar logo? Não, você não
vai, vai doer sempre que alguém lhe disser qualquer coisa bonitinha, você
sempre estará duvidando de tudo, mesmo que veja com seus próprios olhos que as
coisas são diferentes. A que ponto me rebaixaria por saber que precisaria dele
em todos os meus dias desde que aquele olhar cruzou com o meu? Eu não podia
fazer isso, não depois de tudo o que vira e ouvira, preferia que sangrasse uma
única vez a ter de estancar uma hemorragia todas as vezes que algo fugisse ao
meu controle.
O que eu estava fazendo? Questionei-me sentindo todos os músculos do corpo
retesando de imediato, sabendo que aquele não era o momento para estar agindo
daquela forma, mas era como se naquele instante, estivesse despertando de um
sonho bom que jamais me pertenceria.
Minha
realidade era outra e qualquer um – por mais leigo que fosse ante a situação –
seria capaz de reconhecer isso. Menos eu mesma até aquela ocasião.
-
Droga! – gritei sem conseguir conter a raiva que surgiu de repente, ou devia
dizer que a havia acumulado durante todo aquele tempo (que se considerado não
era muito), sem ser levada a sério em qualquer circunstância.
Afastei-me,
insegura, sem conseguir olhá-lo diretamente. Parei diante da porta tentando
encontrar uma solução como tantas outras vezes, mas era uma atitude vã – e eu,
ainda que negasse isso, sabia que apenas conseguira adiar, mas, cedo ou tarde,
estaria diante daquela situação. Ele
jamais vai dizer que precisa de você sua idiota. Por que não precisa. Olhe para
você, rastejando aos pés de um homem que sequer se importa com a sua presença,
que sequer se importaria se você ligasse para saber se ele estava bem, se havia
chego em segurança ou se fingisse que não o conhecia. Se fizesse isso,
certamente estaria ajudando-o, não o incomodando enquanto leva outra para a
cama.
Esmurrei
a primeira coisa em que consegui pousar os olhos, sabendo, inconscientemente,
que me arrependeria daquele gesto pela manhã, ao ver o corte que havia se
aberto na pele, mas a tensão que corria por minhas veias como ácido queimando
minha pele, precisava ser aliviada de algum jeito. Como se aquilo fosse resolver alguma coisa. Como se se ferir assim
fosse curar todas as demais feridas que já estavam abertas a tempo suficiente
para te causarem dor.
Havia
algo errado naquela situação. E sabia exatamente o que era. Eu. Não devia estar ali, nem sequer
devia ter ido procurá-lo achando que tudo era como no início, achando que ele
ainda era a mesma pessoa que conhecera – que
acreditou estar conhecendo, seria o mais adequado -, mas o simples fato de
ter me deixado envolver naquela história havia tirado minha razão. Tudo o que
me restava era pôr um fim àquilo tudo antes que as coisas piorassem. E podiam piorar?
Não
me julgava mais apta a reconhecer a pessoa que estava refletida naqueles olhos
que pareciam desdenhar de mim, olhando-me com tamanho sarcasmo, como se
gostassem de assistir aquela cena, como se apreciassem ver-me sofrendo. Ou você apenas imaginou que um dia eles
sorriam e se alegravam por te ver.
Aonde estava o controle que
sempre fora capaz de manter? A lucidez que me orgulhava de manter mesmo depois
de tudo o que ocorrera, resolveu me abandonar exatamente quando mais precisava
dela? Sempre soube que aquilo ia acabar daquela forma, não é? Então por que
simplesmente não podia reagir como uma pessoa normal? Fingir que nada daquilo
me atingia e ir embora de uma vez por todas?
Mas eu sabia as respostas para essas questões.
Fechei
os olhos titubeante, sentindo o frio que emanava do chão atingindo os pés
descalços, era o que me trazia de volta a realidade que busquei negar durante
todo aquele tempo. Até aquele momento.
Era o correto,
você não tem nada que fazer aqui, nunca teve, disse a mim mesma. Mesmo que
o que desejava profundamente fosse ouvir poucas palavras, as quais sabia que
jamais seriam ditas por aqueles lábios. Envolvi a maçaneta com a mão trêmula e
dolorida – resultado do espetáculo que proporcionara à ele.
-
Foi um erro, não deveria ter vindo até aqui.
-
Percebeu isso tarde demais, não acha?
-
Concordo. – respondi da maneira mais firme que consegui tentando conter as
lágrimas que insistiam em romper a barreira que criei. Não me permitiria chorar
na frente dele.
Deixei
que a porta batesse atrás de mim sem me incomodar em fechá-la delicadamente,
sabendo que nada daquilo o tinha afetado como a mim. E por que deveria, não é?
Não
lhe tirava a razão, mas aquilo me fizera mal desde o início, apenas não quisera
assumir à mim mesma. Mas colocaria um fim a situação ainda que me machucasse
com isso – não que pudesse doer mais do que já estava, mas em algum momento
seria apenas mais uma cicatriz da qual poderia me orgulhar por saber como
lidar, caso tivesse outra experiência como aquela. O que, espero sinceramente, não acontecer.
Nada dura para sempre - está era
uma assertiva que aprendera desde muito pequena a não duvidar -, não seria
diferente e você sempre soube disso,
repeti para mim mesma enquanto caminhava até o carro que parecia mais distante
do que me lembrava.
Não
olhei para trás, pois sabia que não adiantaria nada fazer isso, a menos que eu
quisesse me torturar mais uma vez. Ele não estaria à porta me olhando, menos
ainda chamando-me para que voltasse para conversarmos, nem estava arrependido
de tudo o que dissera e me pediria desculpas.
Fora
eu quem criara aquelas esperanças tolas. E seria eu a sepultá-las.
Suspirei sentindo as lágrimas rompendo a
última barreira do controle que ainda mantinha, não podia ser fria o resto da
vida, nem fingir que não me magoara com aquilo tudo, pois quem me conhecia
sabia que havia alguma coisa mudado e não era para melhor. Era tudo que
precisava ao menos uma vez na vida. E aquela seria a única.
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