Piacere Venduti


    

Enrolei o lençol ao corpo enquanto me colocava de pé. Uma penumbra quente envolvia o espaçoso quarto de hotel. Afastei-me da cama com o maço de cigarros na mão, aquele pequeno gesto se tornara um hábito. Caminhei até a poltrona junto à janela acomodando-me ali. Acendi um cigarro soltando uma baforada enquanto observava o corpo inerte a minha frente.
Muitos julgavam como deplorável a situação em que me dispunha a viver. Confesso que não era exatamente o que planejara para minha vida, mas circunstâncias sempre mutantes acabam por nos fazer tomar decisões que nem eram cogitadas anteriormente. E, sinceramente, não me arrependo de ter seguido por esse desvio.
Levei o cigarro novamente aos lábios dando uma nova tragada. Através da janela aberta via a lua cheia alta no céu, a madrugada avançava lenta e silenciosamente enquanto eu, entre as baforadas de fumaça, tentava entender o que acontecera naquela noite. Não podia negar que havia abalado minha confiança, mas há muito prometera que jamais voltaria a me envolver com alguém e não iria rompê-la.
Era melhor não pensar, simplesmente agir. Joguei a sobra do cigarro no cinzeiro sobre a mesinha. Levantei-me. Livrei-me do lençol e me dirigi ao banheiro. Precisava de um banho, colocar meus pensamentos em ordem. Em frente ao espelho o retrato da personagem em que me transformara. A maquiagem borrada pelo suor e o cabelo desgrenhado eram a marca de uma busca incessante pelo prazer que não pude encontrar nos braços daquele a quem amei. Marcas profundas de um prazer vendido.
Quando jovem me apaixonara por alguém que me surpreendeu com sua mudança de comportamento. Um dia sonhara em me casar. Ser mulher de um homem só. Mas a vida decidira que meu caminho seria outro, sorri para meu reflexo no espelho. Se eu não posso pertencer ao homem que amo, serei daquele que me quiser.

*****

Estava em frente ao espelho acrescentando algumas gotas do meu perfume favorito para finalizar a produção. Junto a minha imagem refletida via minha babá a me observar com o semblante sério. Conhecia exatamente o que se passava em seus pensamentos. Analisei mais uma vez minha roupa e virei-me para ela.
- Como estou? – inquiri dando uma volta para que me examinasse.
- Linda como sempre. – a resposta veio sem alterar a seriedade que apresentava.
- Obrigada, - respondi sorrindo.
- Acho que deveria largar essa vida, seus pais não gostariam de vê-la assim. Deveria se casar e formar uma família como fez seu irmão.
- Sabe bem que tentei, mas não foi possível. E não faço isso pelo dinheiro, mas sim pra preencher o vazio que carrego.
- Existem tantos outros homens, que fariam qualquer coisa para estar ao seu lado, basta que você queira isso também.
- E eles estão. – Sorri. – Preciso ir, já demorei de mais, o motorista deve estar me esperando. – deixei-a no quarto e sai.
Desci os degraus da escada um pouco apressada. Prezava pela pontualidade  e pelo profissionalismo. Aquela seria uma noite inesquecível, faria com fosse assim. O motorista abriu a porta traseira do sonata negro e adentrei seu interior. A menina antes inocente e recatada agora se propunha a uma situação como aquela. O vestido justo marcando os contornos do corpo, a maquiagem deixando o rosto o mais forte possível, e para finalizar a imagem de uma mulher sensual: um salto alto.
Pela janela do carro era visível a mudança de paisagem enquanto o destino que me aguardava se aproximava. O silencio que abraçava minha casa rodeada pela floresta confundia-se com a agitação da cidade. Trocava de ares só em casos de trabalho. O carro parou em frente ao hotel e desci.
A fachada daquele prédio demonstrava o nível social de quem me esperava. Respirei fundo para ter certeza de que estava preparada e entrei. Caminhei pelo hall sob os olhares curiosos dos presentes até encontrar a entrada para o restaurante. O metre veio ao meu encontro com um sorriso amável moldando os lábios finos. Impecavelmente trajado para recepcionar os clientes. Com a mesma gentileza com que se aproximou estendeu o braço para mim e disse:
- Ele está esperando pela senhorita. Queira me acompanhar?
- Claro. – respondi segurando em seu braço.
Era uma mesa reservada, discreta como requeria a ocasião. Ao nos aproximarmos, seu olhar encontrou o meu com ar de superioridade que logo o deixaria se dependesse de mim. Sentei-me em frente a ele e o fitei esperando que o metre que me acompanhara nos deixasse a sós.
O homem nos serviu uma taça de vinho e se retirou. Tomei a taça na mão e a levantei fazendo um brinde silencioso antes de sorver um gole da bebida. Ele me olhava fixamente como se surpreso por me ver realmente ali. Sorri de maneira altiva e quebrei o silencio que pairava entre nós:
- Então vamos ao que interessa?
- Quando me disseram que era você não acreditei. Por quê?
- Ora, não me desloquei até aqui para lhe explicar os motivos de trabalhar com o que eu trabalho querido. – tomei outro gole do vinho.
- Queria entender como uma mulher como você...
- Se torna uma prostituta? – completei a frase que tentava formular com tanto tato. – Não tente entender, pode não te agradar a resposta. Bom, mas me chamou até aqui exatamente para que?
- Para ter certeza de que era realmente você.
- Pois bem, já viu que é. Posso voltar para casa agora?
- Não, vamos conversar em um lugar mais reservado. Aqui não é o local o adequado.
- Como quiser.
Seguimos para o hall de entrada novamente. Ele se deteve na recepção e pediu a chave de um quarto. Ruan era como todos os homens. Achava que havia me convencido com aquela história de conversar em um lugar mais reservado, mas sabia exatamente o que iria acontecer.
Fiquei em silêncio dentro do elevador. Tudo fazia parte do jogo que ele decidira iniciar. Mas apenas se iludia com o falso controle que fingia lhe dar. Mesmo não o olhando diretamente sabia que me analisava, seus olhos deviam estar percorrendo cada centímetro do meu corpo e isso me agradava. O tinha completamente nas mãos.
Deixei que saísse primeiro para o corredor acompanhando logo em seguida. Os saltos de meus sapatos marcando o ritmo em que tudo aconteceria. Passei junto a seu corpo na porta do quarto, sua mão tentou me prender ali pela cintura, mas me desvencilhei rapidamente, meu jogo começara. E pela atitude tinha meu oponente sob meu completo domínio.
Coloquei a bolsa que carregava sobre a mesinha que ficava ao lado da poltrona e me sentei na cama. Cruzei as pernas de maneira provocante deixando as coxas à mostra. Ele me olhou com o mesmo olhar de desejo que um dia me deslumbrara. Sorri deixando que o batom vermelho desse o toque de sedução que era necessário em meu rosto.
Ruan se aproximou de mim. Como eu previa. A mão firme tocou meu rosto, trazendo-me uma sensação maravilhosa. Os dedos entrelaçando-se em meus cabelos forçando-me a olhá-lo. Era esse o objetivo de minha profissão, satisfazer os desejos de meus clientes e com ele não seria diferente. Pus-me de pé deixando minhas mãos trabalharem, com os olhos fixos nos dele comecei minhas caricias. Deslizei a ponta dos dedos por seu pescoço seguindo a fenda que a camisa entre aberta me proporcionava. Abri um a um os botões que a mantinham fechada, os lábios deixando marcas rubras por onde passavam. O zíper de meu vestido logo foi encontrado revelando a pele que escondia.
Seus lábios pareciam conhecer todos os pontos sensíveis de meu corpo, a cada toque que recebia um caminho aquecido era deixado para trás. Era uma sensação viciante, inebriante. Com certeza nenhuma droga era capaz de despertar um efeito tão alucinante quanto o prazer de se entregar daquela maneira, sem pudores, sem medos ou receios.
Ali, os dois corpos sobre a cama, toda aquela troca de afagos tão íntimos enganaria alguém menos experiente. Entre beijos ardentes, respirações ofegantes que alimentavam ainda mais o ardor do momento,  toques firmes e aquele desejo incontrolável pelo prazer alheio, decidi me entregar por completo ao homem que amava. Esperara por aquele instante a vida toda, mas eu sabia como tudo acabaria. Era uma escolha minha e, já havia sido tomada.

*****

Quando a luz do sol iluminou o ambiente, entrando pela janela que havia aberto, Ruan abriu os olhos. A expressão suave arrematada por um sorriso bobo, quase infantil. Essa era uma descrição perfeita daquele homem naquele momento: uma criança que descobrira uma brincadeira incrivelmente gratificante. E logo seria desfeita.
Estava encostada na parede junto à janela, com mais um cigarro preso entre os dedos para esperar que o tempo passasse, aguardava que despertasse de sono para que pudesse sair. Soltei uma baforada e o olhei com a expressão seria. Havia me vestido e estava pronta para ir embora.
- Levantou-se cedo, Katherine. – era uma tentativa de iniciar um diálogo como se estivesse tudo bem.
- Costumo acordar cedo, e quando estou trabalhando ás vezes nem durmo. – retruquei.
- Mais uma surpresa, não sabia que fumava.
- Você, realmente, não sabe nada sobre mim. E hábitos mudam de acordo com as circunstâncias em que se vive.
- Está sempre na defensiva assim?
- Não costumo me envolver profundamente com meus clientes, é melhor manter certa distância. – dei outra tragada no cigarro, a fumaça se dissipou rapidamente diante de meus olhos. – Ser fria é a atitude correta a se adotar, eu diria.
- Entendo. – respondeu somente.
- Bom, estava esperando você acordar. Tenho que voltar para casa.
- Levo você depois do café.
- Acha mesmo que irei tomar café da manhã com você? – perguntei surpresa, com um risinho zombeteiro no fim da frase.
- E por que não?
- Acredito que não tenha entendido as coisas, querido.
- Compreendi sim. Chamei-te aqui porque queria ter certeza de que o que havia ouvido era verdade e confirmei. Mas queria vê-la novamente também, consertar meus erros...
- Você só pode estar zombando de mim. Não encontro outra explicação para sua atitude imbecil. Ruan, não espero que conserte nada. Não vim até aqui para isso, e nem viria se fosse esse o caso.
- Katherine eu a amo, arrependo-me do que a fiz passar antes. Mas podemos recomeçar nossas vidas juntos e longe disso tudo.
- Disso tudo? Esquecer que sou uma prostituta e estive na cama com muitos outros homens você quer dizer. Ir para outro lugar e fingir que nada do que vivemos aconteceu. – ri apagando o cigarro no cinzeiro e me colocando de pé. – Acho que é um pouco tarde para isso agora.
- O que está querendo dizer?
- É bem simples: quero apenas o meu cheque para que eu possa ir embora. – retruquei secamente.
- Como?
- Estive aqui a trabalho. Ir pra cama com você era apenas parte do pacote querido. Sabia disso ao me chamar aqui.
- Está se comportando como uma vadia.
- Desculpe se lhe ofendi, mas é nisso que você me transformou. E quero apenas o que me deve.
Pegando a calça do chão com uma ira que parecia transpirar pelos poros, retirou dela a carteira. Suas mãos tremiam enquanto preenchia o cheque para me dar. Eu não me importava. Escolhera aquilo e preferia viver assim. Ele jogou o papel dobrado aos meus pés como uma maneira de tentar me ofender, mas foi inútil.
- Não pense que me ofende com sua atitude. –  conferi o valor anotado e guardei o cheque na bolsa e olhei-o. – Bom, vou para casa agora. Foi bom revê-lo. – disse caminhando até a porta.
- Katherine? – chamou.
- Sim?
- Responda-me apenas uma coisa: Por quê?
- Por que vou preferir pertencer apenas a um homem como você, se posso ter aquele que quiser aos meus pés? Só uni o útil ao agradável. – lancei um beijo.
Deixei o quarto batendo a porta atrás de mim.