Ele a olhava como se fosse capaz de despi-la sem sequer se
aproximar, mesmo que um fato como esse não pudesse ser possível. Mas não era
necessário que a tese fosse colocada em experimentação, pois ela deixava claro
no modo como retribuía, sorrindo sutilmente com os lábios escarlate
ligeiramente abertos, que ele lograva êxito em seu intento. Aquele par de olhos
verdes que a fitavam, aqueciam sua pele intimamente a distância, proporcionando
cenas interessantes a imaginação que ele adorava incitar.
Ambos sabiam que aqueles olhares furtivos não deviam acontecer,
mas como evitar? Como não desejar um ao outro naquela situação em que
conheciam-se extremamente bem? Como não ansiar por cada toque dos dedos longos
que deslizavam pela pele que transpirava entre os lençóis? Se era quase impossível
até manter os olhos longe daqueles lábios...
Mas era preciso manter as aparências, conviver daquela maneira, com
tamanha proximidade, era perigoso. Uma faísca incontida bastava para provocar
um desastre sem dimensões calculáveis, com todas aquelas sensações a flor da
pele. Era preciso cuidado, muita atenção aos mínimos detalhes.
Haviam barreiras de todos os lados, empecilhos para o que tanto
desejavam. Enquanto os olhares se cruzavam sorrateiramente no meio de toda
aquela gente que sequer imaginava o que acontecia quando as cortinas eram
baixadas, mãos ásperas continuam firmes ali, com os dedos entrelaçados como se
pudessem mantê-los assim por muito tempo.
Mas quanta ilusão em um só ambiente, por que tamanho senso de
segurança por simplesmente segurar uma mão, se bastava um momento de desatenção
para que tudo acontecesse debaixo de suas vistas sem maiores complicações?
E era aquele o momento, a oportunidade que tanto esperaram durante
toda a noite. Era o momento da fuga das aparências, dos risos forçados, dos
abraçados que pareciam sufocar, trocá-los por seus desejos, suas necessidades,
suas fantasias. Um passo após o outro, e a porta se fecha isolando-os do resto
do mundo...
Aquele olhar que a fascinava não abandonava os olhos dele
enquanto a assistia abrindo o zíper do vestido negro que escondia o que tanto
desejava. Era aquela sensação de que bastava um toque para que derretesse, que
buscava nos braços daquele homem e que não conseguira encontrar nos de nenhum
outro.
Um amontoado de tecido negro formou-se aos seus pés, um olhar de
malícia cruzou o quarto até encontrar outro que, degustava cada centímetro de
seu corpo quase por completo desnudo, como um sommelier que prova um vinho excelente, a acariciar seu paladar.
Ela não conseguia conter o sorriso que seus lábios cor de sangue ansiavam em
abrir. E deixava claro que o desejava com igual intensidade em cada passo que
dava na direção dele.
O som dos saltos altos batendo contra o chão o excitavam ainda
mais, e ela sabia disso. Ele a analisava dos pés a cabeça, apreciando cada
detalhe que suas mãos logo tocariam novamente, ou seria a primeira vez? E de
que isso importava mesmo?
As bocas enfim se encontraram, após tamanha espera, os lábios cor
de rubi trocando o vermelho do batom que tanto gostavam, pela pressão que os
deles lhe faziam, como se quisesse engoli-la, pedaço por pedaço. E ela
permitiria se assim ele o quisesse, pois o pertencia. E cada vez mais sabia
disso, cada vez mais sentia isso enquanto aquela boca quente percorria a pele
exposta de seu pescoço e as mãos astutas livravam-se das poucas vestimentas que
ainda insistiam em atrapalhar o momento de ligação de ambos.
Ele a puxou pra si, elevando-a do chão pela cintura, as pernas dela
prendendo-se ao seu quadril em um encaixe perfeito. Os corpos se entendendo em
um jogo sinuoso que poderia durar mais que alguns momentos, mas que nenhum dos
dois podia desfrutar em outras companhias, ainda que isso fosse o mais correto.
Era por esse motivo que os segundos em que passavam juntos eram tão preciosos,
tão desejados...
Com as costas comprimidas contra a parede, o que algumas
poderiam achar desconfortável, ela era levada aos céus, provando do mais puro êxtase.
Seu corpo era frágil se comparado ao dele, mas em momentos como aquele, um
acompanhando o movimento do outro, era que via que não era tão frágil assim.
Que gostava de ter as mãos quentes e fortes a apertando, dizendo a ela que o
pertencia, que somente ele era capaz de levá-la ao verdadeiro paraíso.
Ofegantes, pousaram os lábios nos ombros um do outro. Era sempre
doloroso ter de partir depois de um momento como aquele, depois de tanta
sintonia, de tanta conexão. Mas era preciso ser rápidos e discretos, havia
alguém esperando do lado de fora daquela porta. O mundo que não os pertencia
aparecia para os engolir novamente.
Ele sorria pra ela, olhando-a colorir novamente os lábios que
acabara de ter entre os seus. A boca vermelha não conseguia esconder o contentamento
que sentia, mas era preciso recuperar a seriedade e caminhar separados no salão
que se abria à eles e, retribuir aos sorrisos, por vezes forçados, daqueles que
os aguardavam.
Mas nada os impedia de ter o beijo de despedida, daquela noite é
claro. Ambos sabiam que era errado, mas não era possível ignorar um chamado
como aquele, não quando o corpo se acendia apenas com um olhar.
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