Cambio

Enquanto o copo se enchia com uma facilidade tamanha, o garçom a olhava com pena, pensando no que poderia ter acontecido para estar naquele estado, mas sem coragem de perguntar ou de intrometer-se em sua reflexão dolorosa.
Os olhos vermelhos que pareciam não ter mais lágrimas para deixar fluir o choro que insistia em não cessar. O rosto molhado e vermelho, que já não era mais capaz de esconder a tristeza que carregava no peito. Ali, sentada junto ao balcão de um bar qualquer, cercada por desconhecidos, não era preciso esconder nada. Era o único lugar onde poderia chorar, beber como se o álcool pudesse afogar aquilo q vinha a sufocando.
Mas de repente, os olhos verdes chamaram a atenção do homem atrás do balcão, pareciam clamar atenção, um minuto de ombro amigo, alguém que somente a escutasse, somente a ouvisse. Sem pré-julgamentos. Sem lhe disser que precisa ser mais compreensiva, que as coisas não eram como pensava. Sem todas as mesmas desculpas, velhas e surradas, os incansáveis pedidos de perdão, repetidos a esmo, como um mantra para quem os pedia.
- O que aconteceu com você, moça? – soou a voz tomando coragem, alta o suficiente para que apenas ela o compreendesse.
- Desculpe, não queria causar problemas. – respondeu baixando os olhos para as mãos que tremiam sobre a madeira escura do balcão. – Mas esse foi o único lugar em que achei que pudesse ficar sozinha, sem que ninguém dissesse que estou errada.
- Não há porque se desculpar, os bares, como estes, servem exatamente para isso. – sorriu condescendente. – Quer me contar o que aconteceu?
- Sabe quando parece que você perde, aos poucos, a importância para as pessoas? – secou as lágrimas que voltavam a rolar pela face pálida. -  Quando tudo o que você mais deseja, no canto mais íntimo da sua alma, que as coisas sejam iguais eram antes?
- Já tentou dizer isso à essa pessoa?
- Diversas vezes, - sorriu sem humor algum, novas lágrimas se formando. – Mas todas as vezes, tudo o que ouço é que preciso ser mais compreensiva; que as coisas vão mudar. Mas não mudam. Estão sempre do mesmo jeito.
- E você? Mudou?
- Sim. Parei de cobrar atenção; de tentar tê-lo sempre nos meus dias, nas minhas coisas, nas minhas vontades. – olhos vermelhos o fitaram, tentando não desmoronar novamente. – Mas sinto falta, no início era tudo tão diferente, o cuidado, a atenção... parece que agora... – a voz falhando, sendo abafada pelos soluços.
- Talvez não seja assim, talvez seja só cansaço.
- Eu entendo isso. É por isso que parei de pedir atenção, de tentar competir com as outras coisas do dia-a-dia... mas não quero me sentir importante somente na cama...
- É melhor não beber mais, pode fazer mal à você. – confortou-a com um afagar nas mãos cruzadas sobre o balcão.
- Tem razão... mas sabe, realmente, as pessoas deixam de cuidar daquilo que tem nas mãos, porque sabem que, para perder, é necessário muita coisa.
Levantou-se, trêmula, sorrindo com os olhos imersos nas lágrimas e despediu-se. Tudo o que precisava, era ficar sozinha, desabafar para as paredes do quarto.
Sozinha...
Cercada por aquele silêncio que tanto a atemorizava; que insistia em trazer tudo à tona sempre.
Sozinha...
Como já havia se acostumado a estar...
Mesmo cercada por tanta gente.

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