Sob as Rédeas do Destino


             Uma sensação maravilhosa tomava conta de mim enquanto dirigia rumo à fazenda. Agarrei o volante da caminhonete com força até que os nós de meus dedos ficassem brancos pelo esforço que fiz para conter a vontade de gritar que me invadia. Apenas sorri ferozmente ao recordar os motivos que me afastaram daquele lugar que amava tanto. Agora quem comandava tudo aquilo era eu. O jogo começava a mudar de regras.
            Estacionei minha caminhonete em frente ao escritório de gerência do Aras, depois de alguns minutos observando minha nova aquisição resolvi que estava na hora de mostrar a ele quem comprara seu brinquedinho particular. Ao deixar o carro fui recepcionada por um dos culpados por minha partida: o irmão de Felipe. Sorri, ao ver sua surpresa, tirando os óculos para olhá-lo nos olhos.
           - Preciso falar com seu irmão. Acredito que ainda tenha o hábito de cavalgar a esse horário, – disse de forma firme.
           - O que você está fazendo aqui? Achei que estava longe, por que voltou se sabe que ele não quer você aqui?
           - Posso vir aqui quando bem entender. – olhei ao meu redor procurando por algum dos meus empregados. – Bom, acho que eu mesma vou ter de ir selar um cavalo para ir ao encontro de Felipe. Se me der licença tenho mais o que fazer, já lhe dispensei atenção demais e não posso perder meu tempo com você.
           - Volte aqui. – bradou segurando meu braço.
           - Não toque em mim nunca mais. Se um dia você fez isso foi porque não  podia fazer nada para impedir isso, mas agora a história é outra. – disse forma ameaçadora desvencilhando-me daqueles dedos que medos que me causavam náuseas.
Antes que eu pudesse chegar às baias avistei Felipe vindo em minha direção. Tinha certeza de que algum dos empregados havia ido chamá-lo ao me verem. Os olhos dele transmitiam a fúria que sentia desde o dia em que deixei a fazenda. Ele desmontou do cavalo que eu conhecia bem e parou na minha frente.
           - O que faz aqui? Acredito que deixei bem claro que não queria te ver nunca mais. – sua voz era fria e cortante como uma navalha e os olhos frios.
           - Você disse que eu não poderia voltar a pisar na sua propriedade. – retruquei de maneira altiva e petulante. – E pelo que sei isso aqui não é mais seu, nem um centímetro quadrado sequer.
          - Sim, eu disse isso. E vejo que você não teve a decência de continuar fazendo o que lhe disse pra fazer. Mas vejo também que andou se informando. Por que está aqui?
          - Você mesmo me deu esse direito. Estou aqui por que você me deixou estar, Felipe.
          - Não me lembro de tê-la chamado aqui. Além do mais, não posso perder tempo com você, estou esperando o comprador do Aras para acertar os detalhes de tudo.
          - Sim, eu sei de tudo isso. É por isso que estou aqui.
          - O que você tem a ver com a compra da fazenda, Bianca? Não vejo coerência no que você está dizendo.
          - Logo entenderá tudo que lhe digo. Podemos ir ao escritório ou quer resolver tudo aqui mesmo? - questionei tentando parecer inabalável as lembranças.
         - Vamos ao escritório. Até porque você não está vestida adequadamente para este ambiente, vejo que não é mais a mesma.  
         - Não mudei minha maneira de ser, apenas a aparência. Chega um momento na vida que não se espera mais nada de ninguém. Hoje em dia vivo por mim, faço o que tenho vontade e não preocupo com nada. Mas ainda sou a mesma menina que conheceu. – não contive o sorriso que se formou em meus lábios por instinto.
         - O que a trouxe aqui novamente? Soube que seus pais faleceram há alguns anos. Mas não esperava vê-la novamente, menos ainda aqui.
         - Sim, é verdade. Eles faleceram há alguns anos. Ainda me pergunto como aquilo foi acontecer. Eu não estava com eles quando ocorreu o acidente e me arrependo disso até hoje. Mas voltei para resolver tudo o que deixei pendente nessas terras.
         - Sinto muito, mesmo depois de tudo o que aconteceu não posso dizer que estou feliz por ter sofrido essa perda.
Não respondi. Não havia nada a ser dito naquele momento, pois o que eu desejava não poderia ser feito. Afastei essa sensação de ternura que por um momento senti na voz de Felipe da mente e voltei a me concentrar no que realmente viera fazer ali: tomar posse do que era meu agora.
Deixei que ele entrasse primeiro no escritório acompanhado do irmão. Agora nada do que me dissessem faria com que eu me deixasse levar por qualquer sentimento de piedade que pudesse surgir. Voltara para ter a tão sonhada desforra e não deixaria isso ser esquecido. Fiquei olhando Felipe assumir seu lugar atrás da mesa que logo eu ocuparia, ou não.
        - Bom, vou direto ao assunto. – disse tentando controlar o tom de voz agressivo que eu desejava usar. – Você tratou a venda do Aras com um advogado, todos os tramites foram realizados através dele, isso porque eu não queria aparecer aqui antes do momento que eu realmente precisasse. Hoje eu vim até aqui para tomar posse da minha propriedade.
       - O que você está dizendo? – bradou Diogo, olhando-me com um ódio nítido. Deu um passo a frente se aproximando de mim.  – Você veio o quê?
       - Isso mesmo que você ouviu. Eu sou a nova dona disso tudo, e vim tomar posse do que eu comprei.
       - Era você o tempo todo? Você? – questionou Felipe calmo. – Você comprou tudo isso? Por quê?
       - Sim, era eu o tempo todo. E fiz isso simplesmente porque jurei a você que voltaria para essas terras um dia e aqui estou eu. Tudo isso agora é meu, e posso fazer o que bem entender.  
       - Você só pode estar de brincadeira. – ironizou Diogo.
Ignorei a ironia e continuei a olhar fixamente para Felipe. Meu desejo era poder abraçá-lo e dizer que queria aquilo tudo com ele ao meu lado, mas não faria isso. Meu orgulho não permitiria que fizesse algo assim, e a magoa que carregava no peito me lembraria disso a todo momento. Ainda precisa ser eu quem dava as cartas daquele jogo, principalmente depois de tudo.
      - Estou aqui hoje para receber as chaves e todos os documentos de minha propriedade. – olhei para os dois com uma expressão seria e contida. – Caso ainda restem duvidas meu advogado esta vindo com toda a papelada necessária, resta apenas à assinatura de vocês dois. Agora se me derem licença tenho muito que organizar por aqui.
Felipe levou o irmão para fora do escritório contra sua vontade, deixando-me sozinha naquela sala. Mesmo sendo uma forma de vingança, não me arrependia do que havia feito. Eu crescera ali com meus pais, mesmo que naquela época fosse apenas a filha dos empregados de confiança dos senhores, e era isso que me ligava tanto aquele lugar.


       O que dizer de uma menina que ainda não sabe o que quer de sua vida, mas que sabe que aconteça o que acontecer estaria ao lado daquele que ama? Bom, esse era o meu caso. A única certeza que tinha em toda minha curta vida era de que eu o amava e faria o que fosse preciso para estar ao seu lado. Mesmo que isso custasse minha paz durante alguns anos. Eu não permitiria que nada, nem ninguém nos separasse.
Não me importava com o fato de que nossos pais eram contra nosso namoro, eles só faziam por pertencermos a mundos diferentes, mas no que isso mudava o que sentíamos? Bem, a resposta era óbvia em cada beijo que me dava enquanto estávamos escondidos em nosso lugar preferido bem longe do Aras.
       O que nenhum deles acreditava era que dois adolescentes como nós pudessem se apaixonar daquela forma, mas não entendiam que eu não viveria mais longe dele e tinha certeza de que ele também não. Eu não me importaria em fugir se fosse necessário, Felipe já havia me dito que faria isso se o pai continuasse negando a ele o direito de ter-me como namorada.
Sentada ali, na beira do lago que o rio que cortava a fazenda formava, observava o céu que estava de um azul tão intenso que mais parecia uma pintura a espera de Felipe. Havíamos combinado de nos encontrarmos ali depois de mais uma discussão com nossos pais. Meu cavalo pastava a poucos metros de onde eu estava. Aquela cena estava quase perfeita, tudo que eu amava estava ali: a natureza, o cavalo. Apenas ele falta para tornar tudo aquilo perfeito realmente.
        Depois de alguns minutos no mais completo silêncio que aquele lugar proporcionava-me, ouvi o trotar de um cavalo se aproximando. Coloquei-me de pé com um impulso,  segurando o chicote que pendia de meu pulso. Mas para minha surpresa não era ele. Meu sorriso se desfez no mesmo instante em que meus olhos pousaram no rosto de Diogo sob o chapéu que costuma usar.
Institivamente comecei a recuar ate onde havia deixado meu cavalo amarado. Não gostava daquele garoto desde o dia em que o conheci, meus instintos diziam que ele era sinônimo de perigo, e nunca duvidei deles. O que havia acontecido? Onde Felipe estava? Com o coração acelerado montei depressa quase perdendo o equilíbrio. O sorriso de escarnio em seus lábios chegava a seus olhos perversos me fazendo tremer de pavor dos pés a cabeça.
       - Aonde vai Bianca? Acabei de chegar e já quer ir embora? Fique, faça-me companhia, o dia está tão agradável.
       - Não vim até aqui para fazer companhia a você. Não tenho mais nada que fazer aqui. – retruquei secamente fazendo meu cavalo sair da inercia com uma leve chicotada.
Eu podia ouvir o riso de Diogo, isso me causava calafrios. Antes que eu pudesse deixar a clareira ele tornou a me chamar:
       - Bianca? Não quero que vá embora. Já lhe disse que quero fiques.  Apenas vim trazer um recado de meu irmão a você. – disse tentando me fazer ficar.
       - Falo com Felipe mais tarde. Não preciso que transmitas recado algum. Tenho de ir para casa. – dizendo isso cravei as esporas em meu cavalo que saiu em disparada.
       Ao invés de me deixar ir, ele me seguia rindo da situação. Lancei um olhar de relance na direção de Diogo a tempo de ver que sacava o laço da sela. Não sabia o que tinha em mente, mas logo descobri. A corda áspera se fechou ao redor de meu tronco prendendo meus braços junto ao corpo, me fazendo perder o equilíbrio, com um puxão mais forte fui jogada ao chão.
Com um grunhido de dor e a visão turvada pela pancada que recebi na cabeça ao tocar o solo, vi Diogo parando ao meu lado me olhando de cima com um sorriso vitorioso nos lábios. Senti a corda se afrouxar e me desvencilhei dela com um pouco de dificuldade. Coloquei-me de pé um tanto quanto zonza e olhei seriamente para Diogo.
       - Isso não vai acabar aqui, eu prometo. – disse da maneira mais ameaçadora que consegui.
       - Claro que não. Acredito realmente em você. – respondeu irônico avançando na minha direção.
       Saltei para longe, minha cabeça girou e perdi o equilíbrio indo ao chão novamente. Aquilo fez com que perdesse quase completamente minhas forças, deixando um tanto quanto vulnerável. Aproveitando-se disso, ele deitou-se sobre mim prendendo contra o solo. Tentei me livrar dele me debatendo de todas as maneiras que consegui, até que lembrei que o chicote ainda estava preso em meu pulso. Desferi dois golpes meio desajeitados contra o rosto de Diogo, acertando apenas um. Isso foi o suficiente para deixá-lo ainda mais furioso ao notar o fino corte que provoquei em sua face.
       Seus olhos encaravam os meus com uma fúria animal, e sem pensar duas vezes desferiu um golpe de punho cerrado contra minha face. O golpe que recebi no rosto teve o dobro da força que usei, provocando-me uma dor imensa e logo depois uma leve inconsciência que se tornou num breu completo. Depois desse momento não me lembro de mais nada.
Abri os olhos sentindo meu corpo todo doer, abracei-me institivamente para tentar afastar o frio que sentia, mesmo sendo verão e o calor estivesse insuportável. Já era noite e ainda estava ali, coloquei-me de pé com um pouco de dificuldade. Pelas dores que sentia e o estado de minhas roupas sabia exatamente o que havia acontecido. Fechei os botões da camisa com as mãos trêmulas, tentando encontrar meu cavalo que não estava mais ali.
       - Ótimo! – gritei para o vazio. – Obrigada, por tudo!
Depois de algumas horas caminhando ainda meio cambaleante até a fazenda fui capaz de avistar minha casa. As luzes estavam acessas e havia uma movimentação grande. Mesmo com a visão um pouco comprometida pude reconhecer os outros empregados do Aras e um deles me reconheceu:
      - Ela está ali. – gritou para avisar meu pai.
      Não pude acreditar que meu pai me abraçava, mesmo sentindo dor com aquele abraço estava mais calma e tranquila. Não contive as lágrimas que rolavam por meu rosto. Soluçando tentei dizer a meu pai o que havia acontecido, mas sem sucesso apenas desabei em prantos em seus braços.
      Meu pai me levou para casa e me tranquei no quarto. Tomei um banho quente, deixando que a água tirasse toda aquela sensação de nojo que sentia de mim mesma. Sentia-me suja, asquerosa, sem a mínima vontade de continuar ali junto de todos. Meu corpo estava cheio de marcas que a camisola de cetim negro não ajudava a esconder. Uma náusea forte atingiu meu estomago ao pensar nas mãos de Diogo tocando meu corpo.
Ódio, esse era o sentimento que tinha no coração. E não descansaria até que pudesse fazê-lo pagar por tudo o que havia feito. Tremendo tomei um remédio para dormir e me deitei com a mente vagando por tudo o que havia ocorrido deixei que a inconsciência me levasse daquele mundo por pelo menos doze horas.


      Após algum tempo me mantendo distante e fria com relação a ele, algo me dizia que isso não duraria muito, mas me manteria assim pelo tempo que conseguisse. Ainda era difícil olhar para ele e me sentir frágil e indefesa, mesmo que jamais fosse demonstrar isso para ninguém. Iria me manter como vinha fazendo desde o dia em que retornara para a fazenda: fira e altiva.
Naquela manhã acordei decidida a cavalgar pelo Aras. Há muito não fazia isso. Ainda estava escuro, com toda certeza não passava das 5 da manhã, mas isso não me incomodava. Eu adorava poder estar ali sozinha com meus pensamentos, era o único momento em que eu podia realmente deixar transparecer o que eu sentia ser eu mesma.
      Tomei um banho quente e me vesti como quando era só uma jovem menina. Aquilo ainda não era mais tão simples como eu planejava, mas estava vestida novamente como uma amazona. Olhar-me no espelho com aquela roupa me fez rir.  Minha vida tomara um rumo completamente oposto e há anos não me via com aquele tipo de roupa. Peguei o chicote da cômoda e desci.
Como ainda era muito cedo não havia ninguém de pé. Caminhei tranquilamente pelas baias e escolhi um cavalo que eu já conhecesse. Por coincidência encontrei Felipe ali também, pronto para sair. Ignorei aquele fato e me pus a selar meu cavalo.
      - O que faz aqui há essa hora, Bianca? – perguntou depois de me ver montando.
      - Gosto de ficar sozinha e pensar. Aqui é o melhor lugar para isso. – retruquei sem olhá-lo diretamente. – Preciso ir, ainda tenho que voltar para assumir o escritório.
      Não esperei que continuasse com a conversa, sabia que aquilo poderia ser perigoso. Agora que estávamos sozinhos, sem a interferência de seu irmão, ele tentava ser mais gentil comigo. Mas ainda não estava preparada para isso, o desejo de vingança e de mostrar para ele que eu podia ser mais forte que ele próprio ainda estava vivo dentro de mim e demonstrava isso em todos os meus gestos.
Ainda estava um pouco escuro para arriscar uma cavalgada mais arrojada, mesmo assim ouvia que ele se aproximava de mim rápido demais, então não pensei duas vezes: comecei a acelerar o ritmo. Logo estávamos cruzando os campos e nos dirigindo para longe da fazenda. Aquele lugar era conhecido de minha infância, era ali que íamos quando queríamos ficar sozinhos ou nos esconder das discussões de nossos pais.
     - Cuidado, Bianca. – gritou ele logo atrás de mim. – As coisas mudaram por aqui, você pode se machucar.
     Mas eu já não ouvia o que ele dizia, minha mente estava vagando por lembranças boas de uma época tão distante que com certeza não voltaria mais, que nem me dei conta de que havia um tronco caído bem à frente. Meu cavalo refugou ao salto, pois não havia lhe dado o comando necessário e acabei caindo. Espalmei o solo com raiva por aquilo.
Felipe desceu correndo e foi ao meu encontro tomando-me nos braços com um carinho surpreendente que me fez tremer. Seus olhos transmitiam uma ternura e uma tentativa de proteção que me deixaram segura e confortável ali, como antes, mas não erámos mais dois adolescentes que fugiam de casa para se encontrarem escondidos dos pais que eram completamente contras a esse envolvimento. Sem a menor cerimonia o empurrei com toda a força que consegui encontrar.
     - Saía de perto de mim. Não quero que me toque. – disse de maneira insolente e tentei ficar de pé em vão caindo novamente.
     - Você está machucada, mas claro que não quer a minha ajuda. – respondeu sorrindo. – Ainda é a mesma menina mandona e impulsiva que conheci. Venha, vou levar você para casa. – disse estendendo a mão para me alçar do chão.
     - Sim, continuo sendo a mesma, e não quero que você me ajude. Posso fazer isso sozinha. Foi só uma torção, nada demais. – retruquei tentando mais uma vez firmar o pé no chão sem sucesso.
     Felipe riu da minha tentativa fracassada. Ignorando meus protestos me tomou nos braços me tirando do chão. Levou-me até seu cavalo e me colocou sentada ali enquanto buscava o meu. Dando-me as rédeas se juntou a mim envolvendo-me com os braços, meu cabelo era uma das poucas coisas que separavam nossa pele, isso não me permitiria manter a postura rude que assumira por muito tempo. Não consegui ignorar o fato de estar tremendo com aquela proximidade.
     Sentir o seu corpo assim tão próximo do meu era uma coisa que me tirava realmente do sério. Era inegável que aquele calor me transportava para um lugar onde ansiava freneticamente estar. Isso tornava impossível negar que ainda o amava, não importava o tempo que passei longe e todos os outros homens que conheci durante esse tempo. Eu sempre fora dele e isso jamais mudaria.
Depois de deixar os cavalos na estrebaria, Felipe me carregou até o quarto. Não queria que aquela proximidade fosse tão grande, eu poderia não resistir. Mas sem conseguir apoiar o pé no chão precisei ser levada até a cama.
     - Obrigada, não precisava ter feito isso. Podia muito bem ter saído de lá por mim mesma. – disse sentando na cama. – Agora já pode ir.
     - Você não muda mesmo não é?
     - Mudar para quê? Para que homens como você e seu irmão achem que podem tirar proveito da situação apenas por que sou mulher? Não, obrigada, estou bem assim. Quero ficar sozinha.
     - Não vou deixar você sozinha. Está machucada e pode precisar de mim. Quanto as suas ofensas vou ignorá-las.
     - Não as ignore. Foram pensadas exatamente para um momento como esse. Saía agora. – ordenei pondo-me de pé apoiada na haste da cama. – Ou será preciso que chame um dos empregados para tirá-lo daqui?
     - Pode chamá-los. Não vou deixar você. – respondeu se aproximando de mim novamente.
     Tentei me afastar, mas me segurando pelos braços queria me manter ali, próxima a ele. Eu não sucumbiria a esse desejo, mesmo que fosse algo mais forte que eu. Mesmo com dificuldade para me manter de pé, empurrei-o com toda a força que consegui fazer, não sendo muito eficiente. Ele avançou sobre mim com um pouco mais de força derrubando-me na cama e me deixando presa por seu corpo.
      Deitada na cama, com Felipe debruçado sobre meu corpo, senti um arrepio eriçar meus pelos, sinal nítido de alerta. Olhos nos olhos. Era impossível resistir àquela sensação. Não recuei quando os seus lábios encontraram os meus, apenas deixei que o beijo se tornasse cada vez mais intenso. Quando seus lábios tocaram a pele, já quente, de meu pescoço entreguei-me aquele desejo insano que me consumia desde a adolescência e finalmente assumi que o amava. Suas caricias eram como ainda me lembrava, de uma forma que nenhum outro conseguira me proporcionar. Queria que aquele momento fosse eterno.
     Envolvendo seu pescoço com os braços trêmulos o aproximei de mim, sua pele parecia ter uma corrente elétrica que percorria todo meu corpo deixando-me ainda mais receptiva a qualquer estimulo vindo dele, era tudo o que desejei a vida toda. Fechei os olhos e deixei que Felipe cuidasse de todo resto.
     Acordei com os raios de sol inundando o quarto. Já passava das duas da tarde, mas estava me sentindo bem, a preocupação com horários não era uma das minhas prioridades naquele momento. Para mim tudo aquilo não havia passado de um sonho, os beijos, as caricias, mas se fora apenas um sonho havia sido o melhor de toda minha vida.
Sorri ao vê-lo ali adormecido ao meu lado, tudo estava voltando a ser o que era antes, ou melhor, tudo o que não acontecera quando tinha tudo para dar certo começava a se encaixar agora. Inclinei-me sobre seu peito nu beijando seus lábios com delicadeza, era a sensação que desejei ter durante toda a vida.


     Havia se passado dois dias desde que ocorrera aquele incidente com Diogo, não vira Felipe desde então e isso era o que estava me deixando preocupada. Sabia que ele já estava sabendo, mas desconhecia a versão que haviam lhe contado. Enviei-lhe um recado para que me encontrasse no lago como de costume para que pudéssemos conversar sobre aquilo.
     Desci do cavalo e o amarrei em uma árvore próxima, ouvir o som de meus próprios passos ali novamente fizeram minha mente reviver todas as lembranças daquele dia. As marcas que carregava no corpo começavam a sumir, agora já tinham uma tonalidade amarelada, mas minha alma não cicatrizaria tão facilmente. Agarrei o chicote com mais força e o arremessei contra a primeira árvore que vi.
     Não havia me dado conta de que Felipe chegara e me observava silenciosamente, assustei-me ao vê-lo ali parado atrás de mim. Meus olhos marejados pela raiva encontraram os dele. Aquelas duas pedras preciosas refletiam o que sentia, tentei estender a mão para tocar-lhe o rosto,  mas fui impedida por sua mão forte que segurou meu braço longe de si.
     Esperei que quebrasse o silêncio que pairava entre nós, mesmo sabendo que não queria ouvir o que tinha a me dizer. Seus olhos percorreram todo o meu corpo se demorando nos detalhes, mas não havia carinho e ternura neles, e sim um misto de desejo e raiva que me machucaram mais que as mãos de Diogo.
     Ainda segurava meu braço com um pouco de força demais para ser um gesto de carinho. Esperava que fosse me agredir assim como Diogo, mas sua reação foi outra. Puxou-me para junto de seu corpo me forçando a beijá-lo. Com toda a força e energia que consegui reunir espalmei as mãos em seu peito fazendo-o recuar no mesmo instante.
     - Como ousa? – bradou passando as mãos pelo peito.
     - Você não me quer assim, e eu não permitiria que fosse dessa maneira. – retruquei dando-lhes as costas.
     - Não venha tentar me dar uma lição de moral, Bianca. Você não passa de uma qualquer que faria tudo para subir na vida. – gritou para mim. – Eu não posso tocar você, mas pode se deitar com meu irmão.
     - Foi isso que aquele miserável lhe disse? – retruquei já irritada. – Claro! A culpa ainda é minha!
     - Não tente se fazer de vitima, isso não vai me convencer. Odeio esse seu jeito de tentar mudar as coisas que estão explicitas. – próximo a mim, seus lábios quase tocando os meus continuou: - Você, Bianca, é uma vá...
     Não deixei que terminasse a frase. Esbofeteei sua face com a fúria que tentei reprimir. Dei-lhe aquele tapa por tudo o que havia suportado por ele, todas as ofensas que sofri por parte de sua família, por ódio de Diogo, pela falta de confiança que tivera quanto a mim. Não me importava com mais nada a partir daquele momento, ele não nutria o mesmo sentimento que eu por ele. Empurrei-o para longe de mim indo à direção de onde joguei o chicote.
     - Quero que saia daqui hoje mesmo. – disse de forma ameaçadora, enquanto massageava o rosto vermelho. – Não quero ver você nunca mais, nem quero que pise na minha propriedade novamente.
     - Perfeito. – retruquei montando em meu cavalo com a expressão impetuosa. – Mas antes quero que saibas que voltarei um dia, juro isso a você. E quando esse dia chegar serei eu quem controlará esse jogo.
Não esperei por uma resposta, aquela discussão já havia ido longe demais. Descontei toda a raiva que reprimia no cavalo. Fiz com o chicote estalasse contra a pele do animal. As lagrimas faziam com que minha visão ficasse um pouco comprometida, mas não me importei, só queria que aquilo tudo acabasse logo.


    Lá estava eu, mas uma vez, olhando para o horizonte na beira daquele lago, o céu ostentava uma imensidão de constelações que não me cansava de observar, a lua iluminava tudo completando a beleza da cena. Ainda trazia-me tantas recordações, algumas dolorosas demais para serem revividas sequer em pensamento e que fazia questão de esquecer, ou ao menos fingir que já não me perturbavam como antes. Outras eram as mais felizes de toda minha vida. A brisa fresca da noite roçava a pele nua de meus braços provocando leves arrepios.
    Meu cavalo desaparecera cavalo desaparecera na escuridão, provavelmente assustado com algum outro animal que aparecera por ali, restava-me apenas retornar para o Aras caminhando, o que me faria bem. Gostava daquela sensação de liberdade, mesmo que estar ali no escuro me desse um pouco de medo, talvez um pequeno trauma que ainda carregava da infância. Assustei-me ao sentir os braços de Felipe envolvendo meu corpo.
    - O que faz aqui? – perguntei em voz baixa deixando-me ser acalentada pelo calor que emanava de sua pele.
    - Você estava demorando a voltar, fiquei preocupado. E vejo que fiz bem em vir. – disse com um leve sorriso nos lábios.
    - Eu sei me virar. Não sou nenhuma garotinha indefesa. Claro que logo que me cansasse de ficar aqui iria para casa sem problema algum. – sorri, virando-me para ele continuei: - Mas claro que adorei a surpresa de ter vindo, assim tenho uma carona.
    Ele tocou meu rosto com carinho, apertando o braço em minha cintura mantendo-me junto a ele. Seus lábios estavam urgentes ao encontrarem os meus, fazendo-me estremecer com a sensação que me invadia. Afastei-me um pouco e pude ver em seus olhos que também desejava o mesmo que eu. Sorrindo peguei sua mão entrelaçando nosso dedos e disse:
    - Acho melhor irmos, já está tarde.
    - Sim, concordo. – seu sorriso chegava em seus olhos que brilhavam ainda mais iluminados pela luz do luar. – Deixei meu cavalo na entrada da clareira.
    Caminhamos de mãos dadas até onde o cavalo estava. Mesmo sendo caricias doces, como seus dedos afagando a pele de minha mão, depois de tanto tempo separados por algo inútil e imbecil despertavam uma vontade de estar em seus braços incontrolável. Felipe deu-me outro beijo ainda mais urgente, deslizando suas mãos por meus braços até minha cintura. Com um sorriso brincalhão nos lábios tirou-me do chão, colocando-me sentada na sela. Juntando-se a mim logo em seguida.
     Protegida por seus braços sentia que nada poderia mais dar errado com ele ali tão próximo. Podia sentir o cheiro do perfume amadeirado que fazia viajar para lugares que adorava estar. Um de seus braços se fechou em volta do meu corpo fazendo com que eu me encostasse ainda mais em seu corpo. Senti os pelos de minha nuca se eriçarem, sabia exatamente onde aquilo terminaria.
     Ele gostava daquele jogo. E eu também. O contato da pele, as caricias ousadas que ninguém podia ver acontecendo ali. Seus lábios encontraram meu pescoço me fazendo tremer com aquela situação. Suspirei demonstrando que havia me agradado. Ele repetiu o gesto mais algumas vezes brincando com minha sensibilidade até chegarmos às baias.
     Estávamos sozinhos ali, os empregados já haviam ido dormir, afinal não era um horário comum para se cavalgar. Felipe desceu primeiro passando as mãos por minhas pernas. Saltei logo em seguida sendo pega antes de pisar realmente no chão. O beijo que recebi não era exatamente como esperava. Foi ainda melhor, um misto de delicadeza e selvageria.
      Já estava ofegante quando nos escondemos dentro do armazém, os dois traziam nos olhos o desejo travesso de possuírem um ao outro ali mesmo. E por que não? Éramos mesmo dois inconsequentes que não havia feito essas loucuras quando podíamos então aquele era o momento.
Depois de mais alguns beijos e caricias travessas, me vi deitada sobre uma pilha de feno. Felipe explorava meu corpo com os lábios sendo auxiliado pelas mãos ágeis me fazendo delirar. O contato de sua pele na minha fazia com que cada local tocado se aquecesse instantaneamente. Era a melhor sensação que podia sentir. Com um sorriso maroto nos lábios nos entregamos um ao outro.